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É possível, mas sem as incertezas do Planalto e do Ministério da Ideologia Econômica.

Volto à política monetária para analisar o piso da Selic. Na semana passada, o Copom reduziu nossa taxa básica de juro para 3% ao ano e sinalizou que, em 17 de junho, deve haver novo corte, colocando a Selic em 2,25%.

Será possível cortar mais o juro? Mantendo o ritmo atual, chegaremos à Selic zero no fim de outubro, mas o BC deu indicações de que planeja parar antes disso. Por quê?

Do lado interno, a situação é claramente favorável à Selic menor, pois as expectativas mais recentes do "mercado" apontam inflação de 1,8% neste ano e 3,25% em 2021. Nos dois casos, as projeções estão abaixo das metas de inflação, de 4% em 2020 e 3,75% em 2021, o que justifica corte adicional da Selic.

Porém, como a política monetária tem efeitos defasados, a expectativa de inflação para 2021 tem importância maior nas decisões do Copom. Mesmo com a inflação despencando abaixo do piso da meta (2,5%) neste ano, o Copom tende a ser cauteloso nos cortes adicionais da Selic porque, por enquanto, a inflação esperada para 2021 está "somente" 0,5 ponto percentual abaixo da meta.

Do lado externo, a situação é aparentemente mais adversa, pois cortes adicionais da Selic tendem a elevar temporariamente a taxa de câmbio. A lógica aqui é o princípio da arbitragem entre taxas de retorno internas e externas.

Traduzindo do economês, como investidores podem aplicar seus recursos no Brasil ou no exterior, nossa taxa de juro acaba se igualando à taxa de juro internacional somada ao prêmio de risco-país e à depreciação esperada do real.

A variável de ajuste é a expectativa de depreciação cambial. Dadas a Selic, a taxa de juro internacional e o prêmio de risco. A taxa de câmbio varia até o ponto em que a depreciação esperada do real iguala as taxas de retorno esperadas entre investir aqui ou lá fora.

Voltando à Selic, o que a "equação de arbitragem" nos diz hoje? A taxa de juro internacional usada como referência pelos investidores caiu para zero. Diante disso, se a Selic cair abaixo do nosso prêmio de risco (hoje entre 2% e 3% ao ano), haverá mais depreciação do real até que a taxa de câmbio fique tão alta que faça o "mercado" esperar valorização do real.

Novamente traduzindo do economês, dado o prêmio de risco, cortar a Selic para zero fará a taxa de câmbio subir para "produzir" expectativa de apreciação cambial que iguale as taxas de retorno entre aplicações de risco equivalente em reais e dólares.

Como depreciação cambial tem impacto positivo sobre a inflação, o BC pode interromper os cortes da Selic devido a esse efeito secundário sobre os preços.

Até agora não há indicação de que o repasse cambial seja significativo. A taxa de câmbio real/dólar já subiu 45% neste ano, e a inflação continua abaixo da meta devido ao colapso do nível de atividade econômica e à redução da inflação internacional (devido à crise e à queda do preço do petróleo).

Assim, juntando os lados interno e externo, há espaço para reduzir a Selic temporariamente a zero, e isso pode até diminuir o risco-país, uma vez que juro menor ajuda no controle da dívida pública e câmbio mais elevado aumenta nosso saldo em conta-corrente com o resto do mundo (hoje em déficit).

Porém, para que o corte da Selic tenha efeitos benéficos sobre a economia, é preciso diminuir a incerteza vinda tanto do Palácio do Planalto (a insustentável rudeza da família Bolsonaro) quanto do Ministério de Ideologia Econômica (ausência de estratégia fiscal crível no combate à crise).

Selic zero é possível e bem-vinda, mas sozinha ela não fará milagre.

montadora
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