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O desafio do ajuste fiscal

Nos últimos anos nós avançamos, mas ainda é preciso fazer muito mais.

A situação fiscal do Brasil antes da atual pandemia já não era boa, mas vinha melhorando. O Brasil tem uma carga tributária perto de 33% do Produto Interno Bruto (PIB), ante uma carga média de 23% do PIB para a América Latina. Apesar da carga tributária alta, não conseguimos arrecadar o bastante para pagar as despesas não-financeiras do setor público.

Desde 2014, o setor público tem um déficit primário. Neste ano, a meta de déficit primário de R$ 118,9 bilhões (1,6% do PIB) se transformou em uma estimativa de R$ 828 bilhões (12% do PIB) em decorrência das despesas extras e da perda de arrecadação decorrente da Covid-19.

Se incluirmos a conta de juros, o buraco fiscal esperado para este ano passa de R$ 1,1 trilhão (16% do PIB), um número em relação ao PIB muito próximo ao esperado para países ricos como Estados Unidos e Inglaterra.

O Brasil, que antes da crise já tinha uma dívida pública bruta de 76% do PIB ante média de 50% do PIB para países emergentes, terminará este ano com uma dívida bruta acima de 95% do PIB, um valor que nos aproxima do endividamento de países desenvolvidos.

Qual o problema? Vários. Primeiro, um país emergente como o Brasil não tem as mesmas condições de financiamento de um país desenvolvido. Os EUA conseguem se financiar vendendo um título de dez anos com juro nominal de 0,7% ao ano. Aqui, pagamos dez vezes mais (7% ao ano) em um título no mesmo prazo. No pós-pandemia, o Brasil terá que se preocupar, necessariamente, com a redução gradual da dívida pública (% do PIB).

Segundo, para controlar o crescimento da dívida pública (bruta ou líquida) o Brasil terá que arrecadar acima da despesa não financeira, ou seja, precisará gerar algum superávit primário. Dado que a carga tributária aqui já é elevada, o recomendado é cortar a despesa ainda que gradualmente, como proporção do PIB. Isso se faz controlando o crescimento do gasto público, como exige o teto dos gastos (EC 95/2016).

Terceiro, os indicadores de solvência do setor publico dependem, além de taxa de juros e do resultado fiscal primário, do crescimento esperado da economia. Uma dívida pública bruta de 95% do PIB pode ser excessivamente elevada para um país com potencial de crescimento de 1% ao ano, mas nem tanto para outro que cresce 3% ou mais ao ano.

O futuro da economia brasileira não está dado. Depende de nós. Nos últimos quatro anos, apesar de todas as dificuldades de formar consenso político com mais de 20 partidos políticos no Congresso Nacional, o Brasil aprovou reformas importantes no governo Temer (MDB), que veio de um processo de impeachment, e, no governo atual, a agenda de reformas continuou, apesar de o governo não contar com uma base politica no seu primeiro ano.

Se fôssemos esperar pelo ambiente ideal para aprovar reformas no Brasil, não teríamos aprovado um teto de gastos, uma reforma da Previdência, nem reforma trabalhista, nem um novo marco de investimento para saneamento, nem teríamos reduzido a política de concessão excessiva de subsídios dos bancos públicos, que ajudou na forte queda dos juros.

Apesar de 75% da despesa não-financeira do governo federal ser direcionado para políticas sociais (inclusive saúde e educação pública) e previdência, há um desejo legítimo da sociedade por políticas sociais mais distributivas. Mas isso pode ser alcançado com mudanças na composição dos impostos e do gasto público, sem a necessidade de aumentar a despesa total, o que tornaria o ajuste fiscal mais difícil e incerto.

O debate das diversas propostas de reformas, com destaque para as reformas tributária e administrativa, é por natureza um debate político. Mas é preciso entender a necessidade de conciliar o debate de reformas com o esforço de ajuste fiscal de pelo menos R$ 300 bilhões (4% do PIB) ao longo dos próximos anos. Não fazer ajuste fiscal não é uma estratégia viável.

Nos últimos anos avançamos, mas é preciso muito mais. Se vamos ou não avançar na agenda de reformas e ajuste fiscal depende não apenas do governo, mas também da nossa capacidade de construir o consenso político para a aprovação dessa agenda no Congresso Nacional.

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