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O teto, a renda básica e a tributação

A realidade mostra o agravamento de distorções que excluem muitos do bem-estar e a repetição de crises. É o drama de problemas que não se resolvem. O Brasil tem a pior concentração de renda das Américas, um em cada seis brasileiros não tem renda e o governo federal não tem capacidade fiscal para amenizar o quadro. Mais grave ainda é a procrastinação em apresentar soluções.


A pandemia piorou o quadro fiscal, a dívida pública e o déficit aumentaram e as perspectivas de crescimento da economia diminuíram. As projeções da relação dívida pública/PIB apontam que deve superar os 100% no próximo ano. A demanda social por uma renda básica tem que ser atendida.


Para solucionar o dilema, este artigo propõe três mudanças no Imposto de Renda Pessoa Física. A primeira é a criação de mais uma faixa de tributação. Seria da renda de R$ 0 a R$ 1.500, com uma alíquota negativa de 30%. Quando implantada, o cidadão sem nenhuma renda receberia R$ 450, equivalente a 30% de R$ 1.500. Outro, que ganhasse R$ 900, receberia R$ 180 de imposto negativo, correspondente a 30% de R$ 600 (R$ 1.500 - R$ 600) e teria uma renda total de R$ 1.080 (a soma da renda mais o Imposto de Renda recebido). Todos teriam assegurado um mínimo de R$ 450, ou R$ 15 por dia, que é uma renda mínima para excluir cidadãos da miséria, de acordo com o Banco Mundial.


As vantagens são: melhora na justiça social, redução da concentração de renda; manutenção do incentivo a trabalhar -diferentemente do programa Bolsa Família-; tratamento uniforme para todos os cidadãos, sem assistencialismo; diminuição da necessidade de alguns auxílios; facilidade de implantar; simplicidade; ativação da economia; e viabilidade financeira.


O financiamento seria feito através da segunda modificação no Imposto de Renda Pessoa Física. Atualmente, a alíquota marginal de salários é de 27,5%, superior à de rendimentos da renda fixa, que vai de zero a 22,5%, à de profissionais liberais, que é cerca da metade, e à de dividendos recebidos, que é zero. O princípio de "mesma renda, mesma tributação" seria adotado. Todos são iguais perante a lei e perante o Fisco. As alíquotas de todos os rendimentos seriam iguais às dos salários.


A terceira alteração é a criação de uma faixa adicional para os que têm rendimentos mensais superiores a R$ 20 mil, com alíquota marginal de 35%. É a média praticada na América do Sul. Os ajustes feitos pelo tratamento igualitário a todos e a nova alíquota devem ser mais que suficientes para financiar o imposto de renda negativo. Os demais programas assistências seriam reduzidos ou eliminados.


Para implantar o sistema, a Receita Federal criaria um Cadastro Nacional Único de Cidadãos. Atualmente, 82,5% da população brasileira está cadastrada -faltariam 17,5%, para o qual o órgão federal tem capacidade operacional para realizar a tarefa. Há cerca de 5% que são os invisíveis e merecem um tratamento especial para sua inclusão.


O cadastro incluiria a bioidentificação. Poderia ter ainda outros usos, como na Justiça Eleitoral, em um prontuário médico que poderia ser acessado em todo o país e, ainda, para mapeamento de políticas públicas nas diferentes regiões, em tempo real.


Note-se que o imposto de renda negativo não é uma transferência. Atualmente, as deduções do IR e as restituições não são consideradas dessa forma. Não há motivos para mudar a classificação por conta da criação da faixa adicional com alíquota negativa. Pode até abrir uma folga no Orçamento.


Se as propostas deste artigo fossem adotadas, três resultados importantes seriam alcançados. O primeiro e mais importante é o fim da miséria endêmica no país, uma vergonha nacional que se agrava a cada década e que acabaria rapidamente. O segundo é uma dinâmica fiscal melhor, e o terceiro é acabar com a injustiça de que os mais ricos pagam proporcionalmente menos impostos que os mais pobres.


Há mais que pode ser feito. O que não se pode é esperar mais. Os problemas sociais e fiscais se agravam a cada dia que passa, e podem ser solucionados rapidamente.


Doutor em economia e consultor; é ex-economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira de Bancos).

Veículo: FOLHA DE S. PAULO - SP Editoria: OPINIÃO Tipo notícia: Artigo Data: 30/11/2020

Autor: Roberto Luís Troster Doutor em economia e consultor; é ex-economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira de Bancos)

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