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Saiba por que o Brasil divulga PIB mais tarde

Em 29 de julho, o mundo ficou sabendo que a economia dos EUA despencou 9,5% no segundo trimestre. No dia seguinte, foi a vez de a Alemanha apontar os efeitos da pandemia do coronavírus em seu PIB, que caiu 10% no período.

No Reino Unido, os dados foram divulgados na semana passada: recuo de 20,4%.

O Brasil, porém, só conhecerá o tamanho do estrago provocado pelos piores momentos da pandemia em sua atividade econômica nesta terça (i°), quando o IBGE divulga o resultado do PIB do segundo trimestre.

O atraso em relação a outros países é habitual e não tem relação com eventuais efeitos do distanciamento sobre coleta dos dados. Segundo especialistas, reflete principalmente duas coisas: a estratégia de divulgação do IBGE, que já solta dados mais completos e definitivos, e a falta de acesso a dados da Receita, que poderiam agilizar a coleta dos dados.

O FMI recomenda que os dados referentes ao PIB trimestral seja divulgados em até 90 dias após o fim do trimestre. Enquanto os EUA costumam divulgar dentro dos primeiros 30 dias, o Brasil geralmente o faz entre 45 e 60 dias.

De acordo com o IBGE, o Brasil é um dos seguidores do NAS (Sistema Nacional de Contas), um modelo produzido e renovado pela divisão de estatísticas da ONU, e deve divulgar seus resultados sempre em 60 dias após o fim do trimestre.

O instituto explica que a divulgação de outros países antes do Brasil se deve à natureza econômica de cada um. Em locais mais desenvolvidos, o grau de informalidade é muito baixo, e os dados do PIB são construídos por meio de registros administrativos.

Assim, essas nações conseguem ter dados prontos em um período mais curto de produção. Em países como o Brasil, que tem muita informalidade, os registros existentes não são representativos do conjunto da economia e é necessário dar ênfase a pesquisas diretas.

O IBGE ainda apontou que vários países utilizam uma técnica de modelagem para produzir o PIB, e assim se economiza na produção do indicador. Na Alemanha, por exemplo, isso é válido porque a economia é diferente da brasileira, é mais desenvolvida.

No Brasil, considera-se mais apropriada a coleta de dados em vez de um modelo pronto pelas desigualdades econômica s existente s entre as pessoas e regiões e também o tamanho continental do país, com empresas grandes e pequenas espalhadas pelo território.

O ex-presidente do IBGE Roberto Olinto, que já foi membro de conselho da ONU sobre o tema, diz que há diferenças entre os modelos de divulgação do Brasil que explicam parcialmente o atraso em relação aos EUA e a países da Europa.

Aqui, diz, o IBGE optou por fazer uma única divulgação, com resultados mais definitivos e menos passíveis de revisões, além de um nível de desagregação maior. Nos países em que a divulgação é mais rápida, são dados preliminares e agregados. Depois, em momentos posteriores, o s dado s são atualizados e detalhados.

"A diferença é a quantidade de informações", diz. "O Brasil está dentro do padrão. E divulga até mais coisas do que é pedido para o PIB trimestral", acrescenta ele, que hoje é pesquisador do FGV/Ibre.

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro Ibre e pesquisadora sênior da área de Economia Aplicada do FGV/ Ibre, explicou que, nos EUA, por exemplo, é divulgado um PIB preliminar e depois outro um pouco mais fechado. No IBGE, é esperado mais informação antes da publicação.

"O Brasil não tem esse PIB preliminar. Só quando chegam as anuais fecha mesmo, mas demora dois anos. Até lá, é estimativa, mas que vai sendo divulgada. No Brasil, não fazemos uma prévia, não tem um PIB temporário." A também ex- presidente do IBGE Wasmália Bivar lembra que já houve divulgação em duas etapas, a primeira com os índices, e a segunda, com o PIB a valores correntes e outras informações. Segundo ela, houve um esforço para tentar levar para a primeira data o resultado mais detalhado.

"Com o tempo, vimos que isso não seria possível", diz. "E mesmo fazer duas divulgações foi se tornando inviável com os recursos disponíveis." Olinto vê também uma razão cultural para a divulgação única, já que ela reduz o ruído provocado pelas revisões feitas quando se divulgam dados preliminares.

Assim, o cálculo do PIB considera resultados de pesquisas feitas pelo próprio IBGE -como as que avaliam o desemprego e o desempenho dos serviços, as vendas no comércio ou a produção da indústria-, estatísticas de importação e exportação e informações do Tesouro e do BC, além de dados de AGÊNCIAS REGULADORAS e de associações empresariais.

As informações são coletadas e analisadas por técnicos especializados nos diferentes setores pesquisados e depois passam por um processo de crítica e avaliação até a composição do número final.

"Cada setorialista trabalha os seus dados e depois vai juntando e vai discutindo as incoerências. Sai da produção ao consumo para analisar a cadeia", diz Olinto.

O trabalho seria mais rápido, diz ele, se o IBGE tivesse acesso a uma gama maior de registros administrativos, principalmente dados da Receita sobre empresas, que são negados sob o argumento do sigilo. Esses dados poderiam substituir coletas que hoje são feitas por email e questionários eletrônicos, por exemplo.

Se quiser mesmo entrar na OCDE, o grupo dos países ricos, o Brasil terá que fazer alterações em seu sistema estatístico e garantir acesso do IBGE às informações da Receita, um dos requisitos para que o pedido de adesão feito pelo país em 2017 seja aceito.

Olinto diz que esse será um grande avanço e defende maior ampliação do sistema. "Por exemplo, a nota fiscal eletrônica pode fazer uma revolução na estatística no Brasil. A integração da nota fiscal eletrônica com o sistema estatístico agilizaria barbaramente a produção de estatística", diz.

Silvia Matos, do FGV-Ibre, disse que a expectativa é uma contração de 8,8% na comparação com os três primeiros meses do ano.O IBGE divulga o resultado nesta terça (1°).

Veículo: FOLHA DE S. PAULO - SP Editoria: MERCADO Tipo notícia: Matéria Data: 01/09/2020 Autor: Nicola PampIona e Diego Garcia - RIO DE JANEIRO

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