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Cinco histórias que ilustram o inusitado ano de 2020 na economia

O PIB NA PANDEMIA

Nem mesmo as previsões mais ousadas dos especialistas dariam conta de um ano como 2020. Afetada pela pandemia, a economia viveu uma trajetória de montanha-russa, com leve queda no primeiro trimestre, derrocada no segundo e uma recuperação de 7,7% no terceiro que ainda não compensou os danos causados pela crise da Covid-19.

Essa oscilação brusca e atípica impactou a rotina de trabalho de todos os brasileiros. Cinco histórias mostram como foi afetada a vida de empresários, donos do próprio negócio, profissionais liberais, trabalhadores informais e beneficiários de auxílio.

Há quem tenha conseguido encontrar novas oportunidades de ganho. Mas, na maioria dos relatos, prevalece a incerteza sobre como será a recuperação nos próximos meses, diante do novo avanço da Covid. (*) Estagiária, sob supervisão de Janaina Lage

BENEFICIÁRIA DO AUXÍLIO

"O que preocupa é o ano que vem. A gente fica com a cabeça a mil"

Na casa de Joyce Oliveira, de 35 anos, em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio, o valor do Bolsa Família, acrescido do auxílio emergencial e da cesta básica que recebe da escola pública dos filhos, é o que compensa a perda de renda desde março.

Antes da pandemia, no primeiro trimestre, o marido de Joyce, Leandro da Silva, de 35 anos, conseguia preencher a agenda de segunda a sexta com os serviços como mecânico. Mas os trabalhos sumiram com a chegada da Covid-19.

Durante o segundo trimestre, não apareceram ofertas de trabalho. Aos poucos, nos últimos meses, surgiram alguns bicos. Ainda assim, a procura não é a mesma de antes. Sem a perspectiva de um emprego formal até o fim do ano, o fim do auxílio preocupa: - Ele (Leandro) quer muito emprego de carteira assinada, mas não encontra. Eu sei fazer cabelo, às vezes aparece alguém e eu faço. Mas o serviço precisa ser na minha casa por conta das crianças, ou preciso deixá-las com a minha mãe. O que preocupa agora é o ano que vem. A gente fica com a cabeça a mil -comenta Joyce, que tem cinco filhos, sendo a mais nova de 1,5 ano e a mais velha de 12.


DONO DE NEGÓCIO

"O gasto médio subiu.

As pessoas querem ter uma boa refeição"


Este ano foi uma surpresa atrás da outra para o empresário Romero Fontanive. Dono dos restaurantes Gabbiano Ristorante e Gabbiano Trattoria, ambos na Barra, ele foi da possibilidade de fechá-los, em abril, a um faturamento acima de antes da pandemia em um deles no terceiro trimestre: -Quando fechamos, em março, achei que seria só um mês e não me desesperei. Mas, quando vi que a pandemia não ia acabar tão cedo, fiquei assustado. Cheguei a pensar em vender tudo e voltar para Itália, onde está a minha família.


No Trattoria, a pancada da pandemia ainda não foi totalmente superada, mesmo com o delivery. Como o restaurante fica em um centro comercial, a clientela caiu de cerca de cem para dez pessoas por dia.


Já no Gabbiano, passado o aperto do segundo trimestre, quando o faturamento chegou a cair 60%, a situação melhorou e, hoje, segundo Fontanive, o faturamento é maior do que antes da pandemia: -O gasto médio no restaurante aumentou. Percebo que as pessoas querem sair de casa e ter uma boa refeição, com mais calma. Antes, nem sempre pediam entrada e era comum dividirem pratos e levarem o próprio vinho. Agora, não.


INDUSTRIAL "Haverá queda da rentabilidade, mas o resultado será positivo"

Com quatro unidades industriais em cidades do Rio Grande do Sul, a Usaflex, fabricante de calçados, entrou a pandemia com a expectativa de terminar o ano no vermelho. Ainda em março, enxugou 500 funcionários de seu quadro de 3.200 trabalhadores para se adequar à queda de 56% na produção diária de 25 mil pares de sapatos.


O presidente da empresa, Sergio Bocayuva, estimava que a produção e as vendas seriam retomadas em julho, mas isso só ocorreu em setembro. Hoje, as vendas correspondem a 74% do que eram antes da pandemia, enquanto a produção já está batendo 20 mil pares por dia.


-No Sul e no Sudeste, o movimento ainda não foi retomado totalmente. Mas em lojas de rua do Norte e Nordeste, já temos vendas na mesma base de 2019. Na Black Friday, triplicamos as vendas - explicou Bocayuva, lembrando que a Usaflex esperava alta de 50% nas vendas on-line este ano, e o aumento já está em 160%.


O executivo já prevê encerrar 2020 no azul, ainda que com uma queda de faturamento entre 25% e 30% em relação a 2019: -Haverá queda da rentabilidade, mas o resultado será positivo, o que é bom para quem esperava prejuízo.


TRABALHADOR INFORMAL

"Passaram a me procurar mais porque queriam segurança"

Robert Ramos de Araújo mora em Guapimirim e é motorista há um ano. Ele faz corridas como Uber, mas sua especialidade são viagens particulares entre a cidade do Rio e as regiões Serrana e dos Lagos ou para outros estados. Quando a pandemia começou, ficou totalmente sem clientes e sem renda.


-Fiquei desesperado. Ninguém saía de casa, não tinha serviço. Tentei trabalhar com obra, mas não estavam contratando. Procurei vaga como motorista de ônibus, que era o que eu fazia antes, e nada também.


A partir de maio, porém, os ventos mudaram de direção. Foram tantos clientes que procuraram o serviço privativo de motorista que Robert chegou a ter que recusar serviços e passar para colegas.


-As pessoas passaram a me procurar mais porque não queriam andar em coletivo, queriam segurança. Eu ganhei também com empresas que queriam que os funcionários de Guapimirim e Teresópolis fossem para o Rio mas sem ser de ônibus.


Em setembro, deu entrada no financiamento da casa própria.


-Eu tentei financiar quando casei, há mais de 20 anos. Na época, eu tinha carteira assinada e achei que seria mais fácil. Que nada! Consegui agora, na pandemia.


PROFISSIONAL LIBERAL

"Antes da pandemia, atendia 25 pacientes por dia, agora são 12"

A expectativa para 2020 era de alta para a oftalmologista Aline Félix, de 46 anos. Ela tinha acabado de investir quase R$ 80 mil na ampliação do consultório onde atende na Tijuca, Zona Norte do Rio.


-Janeiro costuma ser um bom mês, pois muitas crianças vão voltar para a escola e fazem exame de visão. A agenda estava completa. Aí, de repente, veio a pandemia-conta ela, que precisou fechar o consultório por três meses. - O proprietário da sala me deu um desconto no aluguel neste período, só que, depois, para retomar os atendimentos, foi preciso todo um investimento em equipamentos de proteção.


Em outubro, Aline contraiu Covid, e o consultório voltou a ficar fechado por 20 dias: - Só tive uma semana útil trabalhada em novembro. Antes da pandemia, eu atendia 25 pacientes por dia, agora atendo 12,13.


Com faturamento 40% menor, ela precisou recorrer à ajuda de familiares para pagar as contas. Ainda assim, não fechará o ano no azul: -É uma conta difícil de fechar. Diminuem os pacientes e aumenta o gasto. Ou o governo abre alguma linha de crédito para o profissional autônomo ou não teremos uma boa perspectiva para 2021.

Veículo: O GLOBO - RJ Editoria: ECONOMIA Tipo notícia: Matéria Data: 04/12/2020 Autor: JOÃO SORIMA NETO, RAPHAELA RIBAS E CAROLINA NALIN

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