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A história e os desafios da indústria de autopeças no Brasil


Conheça a história da indústria de autopeças no Brasil desde o início do segmento de reposição para atender veículos importados, passando pela constituição do Sindipeças em 1953, pelo desenvolvimento de componentes para os veículos a álcool e do carro popular


A história do setor automotivo no Brasil teve início bem antes da entrada das linhas de montagem no Brasil com a importação do primeiro veículo por Santos Dumont em 1893, dando início a uma frota de autoveículos importada da Europa. Com a 1ª Guerra Mundial os veículos passaram a ser importados dos Estados Unidos. Tal predominância de importados norte-americanos dominou o mercado brasileiro até a proibição de importação nos anos 1950.

A chegada de veículos americanos ao Brasil atraiu o início da montagem através de CKDs e em 1919 a Ford deu a partida à operação local. Posteriormente, em 1925, a General Motors (GM) inaugura sua operação no país. Com o crescimento da frota, surgem as primeiras concessionárias e pequenas oficinas de manutenção que produziam peças de forma artesanal, entre elas a JH Robba em 1922 (atual Sama Distribuidora). frota de veículos continuou a crescer (e a importação) até a crise de 1929 e a frota de veículos atingiu cerca de 300 mil veículos. Com o tamanho do mercado de reparação, a indústria de autopeças para suportar este mercado começa a florescer. Em 1931 surge a Saturnia (baterias), em 1932 a Fabrini (molas de suspenção) e a Stevaux (juntas) e em 1934 a Arthur Ebehart.

O efeito da 2ª guerra na indústria de autopeças

A volta das importações de veículos e autopeças mal se recuperou e a 2ª Guerra Mundial (1939) teve início. Durante a guerra foi constituída a Sabó com uma pequena oficina em São Paulo, como muitas das fabricantes de autopeças da época para atender o segmento de manutenção. A necessidade de manter a frota sem acesso à importação de autopeças proporcionou o surgimento e crescimento da produção local e a substituição das compras externas. A indústria produzia os principais itens de desgaste, como baterias, itens de borracha e cortiça, tubos de radiadores, juntas, molas de suspenção, lâmpadas de faróis, e para-choques.

As importações só retornaram com o final da 2ª Guerra e rapidamente consumiram as reservas cambiais do país. O presidente Dutra implementou ações para limitar as importações, como importação de veículos via SKD com obrigação de receber autopeças fabricadas no Brasil como baterias, retentores, pneus, molas, cubo de rodas, etc. Tais ações permitiram o crescimento de uma indústria nacional de fabricação de autopeças que, além de suportar a montagem final, atendia uma frota da ordem de 500 mil veículos ao final dos anos 1940.

Vargas estimula a produção local

O segundo governo Getúlio Vargas trouxe políticas visando ao desenvolvimento de empresas nacionais. Surgem a CSN e a Petrobrás, suporte fundamental para um mercado de autoveículos e para reduzir a dependência de importações. Getúlio cria a Comissão de Desenvolvimento Industrial, que introduziu medidas favoráveis aos fabricantes de autopeças: proibição de importação de componentes com similar nacional, estabelecimento de cotas de importação de veículos conforme a capacidade da indústria local para suportar a manutenção, e facilitação na importação de material base para a manufatura local de autopeças. Em 1941 a Sofunge é inaugurada, com foco em produzir peças fundidas para suportar a indústria ferroviária, e em 1955 a empresa produziria o primeiro bloco de motor fundido no Brasil. Nos anos 1960 a Tupy absorveu a Sofunge.

O surgimento do Sindipeças

Em 1951 o setor inicia a organização setorial com a criação da Associação Profissional da Indústria de Peças para Automóveis e Similares de São Paulo, que em 1953 se tornaria o Sindipeças. No ano de 1951 surgem ainda a Metal Leve (pistões) e a Cofap (anéis e posteriormente amortecedores). Em 1953, Getúlio proíbe a importação de veículos CBUs (completamente montados), fortalecendo o setor de autopeças. Durante os anos 1950 surge a Freios Varga (cilindros de freio), que anteriormente já era reconhecida na fabricação de maquinário (Máquinas Varga), bem como ocorre a entrada de empresas multinacionais, diretamente ou como fornecedores de tecnologia, a exemplo da Robert Bosch, da associação Albarus/Dana (eixos), Fras-le (itens de freios) e Dyna (palhetas).

A eleição de Juscelino Kubitschek a presidente, que tinha como objetivo de campanha a criação de uma indústria de produção de autoveículos nacional, abriu uma nova fase para o setor de autopeças. Em junho de 1956 é instituído o GEIA (Grupo Executivo da Indústria Automobilística) com a função de estabelecer e supervisionar as normas para a criação da indústria automobilística brasileira. O GEIA estabeleceu como meta que até 1960 os veículos pesados e utilitários deveriam ter 90% de conteúdo local; para veículos de passeio a meta era 95%.

As metas agressivas, junto a um mercado interno de tamanho relevante, atraíram rapidamente investimentos de montadoras para a montagem local. No final de 1956 é produzido o primeiro veículo nacional, a Romi-Isetta, com mais de 70% de conteúdo nacional e a Anfavea é fundada. A partir de então novas empresas são atraídas ao Brasil e a produção das montadoras DKV-Vemag, Willys Overland e Simca começa em 1957. Em 1958 a Wapsa (Walitta Auto-Peças SA) é inaugurada para produzir alternadores e peças elétricas após obter tecnologia da Prestolite-EUA.

Fornecimento de autopeças às montadoras

Em 1959 é inaugurada a montagem local dos veículos da Volkswagen. Inicia-se a fase onde a indústria de autopeças nacional passa a fornecer às montadoras depois de anos suportando principalmente o mercado de reposição. A restrição de importações atraiu o investimento de outras autopeças internacionais como NGK (velas), Cibié (faróis) e ZF (câmbio). Os anos 1960 permitiram o crescimento das autopeças com produção local e os veículos atingiram mais de 95% de conteúdo nacional. Foi um período no qual as montadoras ainda eram mais verticalizadas e também produziam parte relevante das peças dentro de suas plantas.

O chamado milagre econômico dos anos 1960 suportou o crescimento industrial na década até o início dos anos 1970 com a crise do petróleo contribuindo para um ambiente inflacionário e crescimento da dívida externa. Nessa situação foi promovida a política de substituição das importações. Em 1975 nasce o Proálcool, que uniu montadoras e empresas de autopeças na busca de soluções para substituir a gasolina pelo álcool como fonte energética. O setor resolveu o problema com componentes redimensionados para resistir ao contato corrosivo com o etanol. Surgiram carburadores, velas e tanques com revestimentos especiais, baterias mais fortes e sistemas de partida a frio. Assim a indústria brasileira assumia posição de vanguarda no desenvolvimento de uma tecnologia de escala e montadoras e fabricantes de autopeças apresentavam uma alternativa real à gasolina.

O conceito do carro mundial

Na década perdida de 1980, as montadoras introduziram o conceito do “carro mundial”, e as autopeças viram a oportunidade de expandir os negócios para volumes maiores através de exportações aos mercados globais de montagem. Era o início da globalização. No Brasil foram lançados os carros mundiais Chevrolet Monza, Ford Escort e Fiat Uno. O longo período de isolamento das autopeças locais do acesso e aplicação das tecnologias emergentes, como a eletrônica, mostrou a defasagem na competência da indústria nacional.


A indústria focou em melhorar as soluções para o etanol, melhorando sistemas com algumas das novas tecnologias para o combustível. Foram fabricados sistemas de partida a frio mais eficientes e componentes capazes de resistir ao poder corrosivo do etanol. A defasagem tecnológica do setor de autopeças foi muito impactada pelas crises e poucos investimentos ocorridos nas duas décadas anteriores (70 e 80). Por exemplo: a injeção eletrônica surgiu no Brasil em 1988, vinte anos após o lançamento em um motor nos EUA.

Os anos 1990 foram marcados pela fase da globalização, mudança estrutural da cadeia produtiva do setor através de sistemistas e tiers, desverticalização das montadoras e foco no core de desenvolver o veículo e montá-los. A busca de eficiência e redução dos custos na cadeia enfocada pelos estudos do MIT International Auto Research Program gerou a publicação do livro “A Máquina que Mudou o Mundo” e alterou o modelo da cadeia produtiva e o desenvolvimento dos veículos. Tais mudanças estruturais contribuíram para os processos de fusões e aquisições no setor.

No Brasil, com o governo do presidente Collor, o mercado de veículos iniciou uma fase de recuperação dos volumes com o programa do carro popular e a abertura do mercado as importações de veículos CBUs. Entretanto, o país continuou em um processo grave de defasagem tecnológica e não havia capacidade de investimento. As indústrias de autopeças seguiam o direcionamento das montadoras, que pouco se preocupavam com a evolução dos veículos tecnologicamente. As autopeças continuaram a depender do mercado de reposição como fonte de rentabilidade tendo em vista a dependência da elevada idade média da frota.

O desafio do carro do futuro

A globalização levou à venda de várias empresas nacionais para as gigantes globai: Metal Leve adquirida pela Mahle, Cofap absorvida pela Marelli, Freios Varga comprada pela TRW, Wapsa incorporada pela Robert Bosch, Nakata adquirida pela DANA. A abertura das importações mostrou o nível de defasagem dos veículos nacionais e as autopeças locais estavam descapitalizadas para realizar os investimentos de melhoria tecnológica dos produtos, operando em desvantagem de escala, que foi fator chave para as vendas. Vale citar algumas autopeças nacionais que se tornaram multinacionais globalizadas, como Sabó, Iochpe-Maxion e Tupy.

O modelo atual da cadeia automotiva se estabilizou em grandes empresas sistemistas globalizadas com produtores regionais de componentes, produtos com alto índice tecnológico, novos conceitos de logística e fornecimento às montadoras, evolução contínua e competitividade de custo global. Mas o setor inicia uma nova mudança no conteúdo tecnológico dos produtos com veículos conectados, autônomos, eletrificados/sustentáveis, compartilhados. Definir a estratégia para as empresas de autopeças nacionais será chave para sobreviver a mais este desafio de ter rentabilidade com os produtos atuais e ter capacidade de investir para atender ao mercado do produto futuro, num mercado onde a demanda ainda não está preparada para o novo conteúdo tecnológico.


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